Pastoral carcerária enaltece condenação de PMs do Carandiru e defende indenizações

A Pastoral Carcerária divulgou comunicado em que enaltece a responsabilização criminal de 23 dos 26 policiais condenados pelas mortes de 13 detentos no massacre do Carandiru, ocorrido em 2 de outubro de 1992. A sentença que condenou cada PM a uma pena de 156 anos de prisão em regime fechado foi lida no Tribunal do Júri no Fórum da Barra Funda, na capital paulista, na madrugada desse domingo (21).
“Reafirmamos o desejo de que todos os policiais envolvidos no episódio sejam responsabilizados pelos assassinatos, bem como os mentores da ação, especialmente os que, à época, ocupavam funções no governo do Estado de São Paulo”, diz a nota.
A pastoral informou que defende que o Estado pague indenizações. “Melhor que a prisão dos policiais envolvidos seria a indenização, pelo Estado, dos familiares e dos sobreviventes do episódio”. A entidade pediu ainda a exoneração de todos os réus envolvidos no massacre, pois alguns deles ainda ocupam cargos na administração pública ou na Polícia Militar.
A repercussão do julgamento do Massacre do Carandiru, para a pastoral, reacendeu o debate sobre as causas do aumento da criminalidade no país. “Esse problema não será resolvido com a política de encarceramento em massa, que predomina no Brasil, e que nas últimas duas décadas fez com que a população carcerária saltasse de 90 mil pessoas, em 1992, para 550 mil, em 2012”.
21.abr.2013 – Marcio Friggi, promotor no julgamento do massacre do Carandiru, fala com jornalistas ao sair do Fórum da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, onde aconteceu o júri do caso. Ele disse que “a justiça foi integralmente feita” com a condenação de 23 réus, e que a decisão dos jurados é uma resposta da sociedade em relação ao comportamento dos policiais no episódio de 1992.
“Encarceramento não é a solução para o fim da criminalidade, pois essa tem raízes complexas e sua redução demanda políticas públicas que vão além da Justiça Criminal”, informa a nota.
Procurada, a Polícia Militar de São Paulo informou por meio de sua assessoria de imprensa que não vai se manifestar sobre o caso. A SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) também foi contada, mas ainda não se pronunciou
Apesar de condenação, réus responderão em liberdade
Os 23 policiais militares condenados na madrugada desse domingo pela morte de 13 detentos que estavam no segundo pavimento do pavilhão 9, na extinta Casa de Detenção, continuarão em liberdade.
Mesmo com penas de 156 anos de prisão em regime fechado, os policiais têm o direito garantido pela Justiça de responder ao processo em liberdade até que sejam esgotados todos os recursos jurídicos previstos em lei.
“É uma garantia constitucional de que ninguém é considerado culpado até que a sentença condenatória transite em julgado [quando não cabem mais recursos de apelação]”, disse a advogada criminalista Camila Austregésilo Vargas do Amaral.
Os policiais só poderiam ter sido presos se tivessem atrapalhado o processo, ameaçado testemunhas ou tentado fugir do país, por exemplo. “Eles só poderiam ser presos se alguma conduta deles tivesse colocado em risco a ordem pública”, disse.
Após a condenação pelo júri, os policiais têm direito a mais um recurso, que será julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Caso a decisão pela condenação seja mantida, eles ainda podem tentar recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Porém, para especialistas no assunto consultados pelo UOL, esse tipo de recurso [ao STJ e ao STF] é muito difícil de ser aceito, apesar de existir a hipótese na lei.
Advogada de policiais já entrou com recurso
A advogada Ieda Ribeiro de Souza, que defende os 23 PMs condenados pelo massacre do Carandiru, afirmou que já recorreu da decisão do Tribunal do Júri.
Em entrevista aos jornalistas logo após a leitura da sentença, a advogada disse que avalia “com muita frustração” a decisão dos jurados. “Foi uma decisão por maioria de votos, na verdade por diferença de um voto, e isso não reflete a vontade da sociedade brasileira. Não é essa a vontade da sociedade brasileira.”
O promotor Fernando Pereira da Silva, indagado se o resultado desse primeiro júri pode repercutir para o dos demais, declarou: “É uma resposta que a sociedade dá, assim como o Tribunal do Júri deu em relação ao coronel Ubiratan [condenado em júri popular em 2001], no sentido de reconhecer que o que aconteceu no dia 2 de outubro de 1992 no pavilhão 9 foi um massacre.”
Julgamento terminou durante a madrugada
A sentença começou a ser lida em plenário pelo juiz José Augusto Nardy Marzagão à 1h10, quase 16 horas após o início da sessão de sábado (20), voltada aos debates entre acusação e defesa.
Inicialmente, os réus eram julgados pela morte de 15 presos. No entanto, a Promotoria pediu a retirada de dois homicídios do processo porque os presos tinham ferimentos por arma branca, não por tiros. A pena para cada um dos PMs foi estabelecida com base no mínimo previsto no Código Penal para homicídios, que é de 12 anos –número multiplicado pelo total de mortes.
Ao todo, 79 policiais militares foram denunciados. Eram 84, mas cinco deles já morreram. O juiz definiu que o episódio seria julgado por etapas, até o final deste ano, para seguir a ordem da denúncia –que citou número de policiais que, por pavimento, foi responsável pelas mortes. Marzagão não concedeu entrevista depois do julgamento.
A primeira data designada para o júri havia sido 28 de janeiro deste ano, mas foi adiada pela Justiça a pedido de Ministério Público e da defesa dos réus para que nova perícia de confronto balístico pudesse ser feita. Em março, o Instituto de Criminalística respondeu que novo laudo era inviável por razões técnicas.
Na fase de debates, porém, o Ministério Público afirmou que o laudo foi prejudicado porque 160 projéteis retirados dos corpos das vítimas desapareceram do Dipo, órgão do TJ que fica no segundo andar do Fórum Criminal da Barra Funda e para onde são remetidos os inquéritos policiais. O caso foi comunicado ao Tribunal este ano e segue sob investigação.
“Parece que um anjo me disse: não faça isso”, disse o pedreiro Marco Antonio de Moura, 44. “Os presos que estavam feridos e ergueram as mãos nós nunca mais os vimos”, disse.
O ex-governador, que depôs como testemunha de defesa dos policiais, afirmou tinha responsabilidade política sobre a ação. “A responsabilidade política era minha; a criminal, caberá aos jurados esclarecer.”]
O interrogatório de quatro réus ocorreu no quinto dia de julgamento. Todos disseram que somente revidaram o ataque dos presos, que teriam armas de fogo.
O último dia do julgamento foi dedicado aos debates entre defesa e acusação. A advogada dos réus, Ieda Ribeiro de Souza, os classificou como “heróis” e disse sentir orgulho deles “por serem efetivamente o que a sociedade espera que sejam”. Ela ainda analisou que PMs, de um modo geral, são “seres invisíveis por quem a gente passa na rua e nem olha na cara –ainda que ele vá salvar meu filho, pai ou irmão”.
O Ministério Público, responsável pela acusação, usou como exemplo a condenação do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu como chefe do esquema do mensalão, em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), ano passado, para pedir aos jurados do Carandiru que condenem os 26 policiais militares pela morte de 15 presos mesmo sem a individualização das condutas. O argumento foi utilizado na fase de réplica dos debates entre acusação e Promotoria, que antecedem a reunião em que os jurados dirão se os réus são culpados ou inocentes.
Fonte: UOL